
Campanha reforça o combate aos maus-tratos no fim do ano e escancara a sobrecarga enfrentada por famílias e protetores independentes no município
O mês de dezembro é referência nacional no combate ao abandono e à violência contra animais. A escolha do período não é simbólica por acaso. Instituído por lei estadual aprovada em 2015, o Dezembro Verde coincide com o Dia Internacional do Direito dos Animais, celebrado em 10 de dezembro, e reflete um problema recorrente em todo o país: o aumento significativo do abandono no fim do ano, quando muitas famílias viajam e deixam para trás a responsabilidade com seus pets. Em Araçoiaba da Serra, essa realidade é visível, concreta e diária, recaindo principalmente sobre protetores independentes que acabam absorvendo uma demanda muito maior do que conseguem suportar.
No município, o impacto do abandono é sentido de forma direta por moradores que transformaram a própria casa em abrigo improvisado. É o caso dos aposentados Marina Yamashita e Jair Ribeiro, que hoje cuidam de 39 cães e gatos. O número está muito acima do que consideram ideal. Segundo Marina, o limite seguro seria em torno de 20 animais, mas a falta de alternativas e o crescimento constante dos pedidos fazem com que o total quase dobre. Ela relata que o fim do ano é sempre o período mais crítico, quando aumentam os casos de abandono e de maus-tratos.
Animais deixados nas ruas, amarrados em portões ou simplesmente descartados quando os tutores decidem viajar fazem parte da rotina enfrentada por quem atua na causa animal em Araçoiaba da Serra. Além disso, há situações claras de negligência, muitas vezes ligadas à falta de informação e conscientização. Marina destaca que, embora o tema seja debatido em alguns círculos, ainda existe uma parcela significativa da população que não enxerga o abandono como um problema grave, ignorando o sofrimento envolvido.
A maior dificuldade enfrentada pelo casal é o custo com atendimento veterinário. Cirurgias, internações e tratamentos contínuos pesam fortemente no orçamento. Parte da ração é fornecida pela Prefeitura, e doações feitas por meio das redes sociais ajudam a cobrir entre 25% e 30% das despesas mensais. Mesmo assim, a maior parte dos gastos sai diretamente da aposentadoria do casal. Ainda que já estejam no limite, os pedidos por acolhimento não param de chegar.
Um episódio recente ilustra bem a gravidade da situação. Durante um temporal, uma cadela prestes a dar à luz foi encaminhada ao casal em busca de um lar temporário. O parto apresentou complicações, exigindo três cirurgias, e alguns filhotes nasceram com problemas de saúde. O custo total se aproximou de R$ 5 mil. Parte foi coberta por doações, mas o restante precisou ser bancado pela família, que já enfrentava dificuldades financeiras.
Embora a realidade em Araçoiaba da Serra seja especialmente dura, o problema do abandono não se restringe ao município. Em cidades da Região Metropolitana de Sorocaba, profissionais da área veterinária acompanham cenários semelhantes. Em Sorocaba, o veterinário Miguel Bonachi explica que, apesar de não ter observado aumento significativo de resgates em seu bairro específico, outras regiões da cidade registram crescimento no abandono no fim do ano. Segundo ele, sinais de maus-tratos costumam ser evidentes, como extrema magreza, lesões de pele, sangramentos e doenças sem tratamento.
Miguel orienta que, ao encontrar um animal ferido ou abandonado, o resgate seja feito com cautela, já que a dor pode provocar reações agressivas. O encaminhamento imediato a uma clínica veterinária é essencial. Ele também chama atenção para problemas comuns em animais que vivem nas ruas, como doenças de pele, tumores e zoonoses, que podem ser transmitidas aos humanos. A falta de castração agrava ainda mais o cenário, contribuindo para o nascimento de ninhadas indesejadas que acabam abandonadas.
A adoção responsável é apontada como um dos principais caminhos para evitar que o problema se perpetue. Isso envolve avaliar espaço disponível, tempo para cuidados diários e condições financeiras para manter vacinação, alimentação adequada e castração. Decisões impulsivas, especialmente próximas às festas de fim de ano, costumam resultar em abandono meses depois.
Com a proximidade das férias, o alerta se intensifica. Tutores que pretendem viajar precisam se planejar. Levar o animal exige verificar se o local aceita pets e oferece estrutura adequada. Caso isso não seja possível, a alternativa responsável é buscar hotéis especializados ou apoio de familiares e amigos. O abandono nunca deve ser tratado como opção.
Em Sorocaba, a Prefeitura informou que a fiscalização de denúncias de maus-tratos é permanente. Entre janeiro e novembro, foram recebidas 1.601 denúncias, com 60% de confirmação, resultando no resgate de 90 cães e gatos em situações graves. Já em Araçoiaba da Serra, a população depende do apoio da Polícia Militar Ambiental para denúncias. Os maus-tratos são crime, e o abandono pode gerar multas e outras sanções.
O Dezembro Verde expõe uma realidade que persiste ao longo do ano, mas se agrava no fim dele. Em Araçoiaba da Serra, histórias como a de Marina e Jair mostram que o combate ao abandono depende não apenas de leis e campanhas, mas de consciência coletiva, planejamento e responsabilidade. Enquanto isso não muda, o peso continua recaindo sobre quem escolhe cuidar, mesmo sem estrutura, de vidas que foram descartadas.
O Dezembro Verde não é apenas uma campanha simbólica. Em Araçoiaba da Serra, ele revela uma realidade dura, sustentada quase exclusivamente por protetores independentes. Enquanto o abandono continuar sendo tratado com descaso, famílias e voluntários seguirão assumindo uma responsabilidade que deveria ser coletiva.

