
Cidade registrou 519 casos de picadas até o início de dezembro, sem óbitos confirmados; calor, chuvas e urbanização desordenada são apontados como causas do avanço dos aracnídeos.
A cidade de Sorocaba vive um surto silencioso e perigoso. Os acidentes envolvendo picadas de escorpião aumentaram 23% em 2025, na comparação com o mesmo período do ano anterior, colocando a população em alerta. De janeiro até a primeira semana de dezembro, a Vigilância Epidemiológica municipal registrou 519 casos, contra 421 no mesmo intervalo de 2024. Apesar do aumento significativo no número de ocorrências, um dado traz alívio: neste ano, não houve registro de óbitos relacionados aos acidentes, enquanto em 2024 duas pessoas morreram após serem picadas. O fenômeno segue a tendência nacional, onde o calor intenso e as chuvas de verão criam condições ideais para a proliferação e o deslocamento dos aracnídeos, especialmente do temido escorpião-amarelo.
O avanço dos escorpiões em áreas urbanas não é um problema exclusivo de Sorocaba, mas uma realidade nacional impulsionada por fatores ambientais e humanos. Pesquisadores do Instituto Butantan e alertas da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo já haviam sinalizado que o período de calor úmido, que se intensifica a partir da primavera, força os animais a deixarem seus abrigos em busca de alimento e novos territórios, aumentando o contato com as pessoas. Em Sorocaba, o principal vilão é o escorpião-amarelo (Tityus serrulatus), espécie de alto risco que se adaptou perfeitamente ao ambiente urbano. Sua reprodução assexuada (por partenogênese) permite que uma única fêmea dê origem a uma colônia inteira, acelerando exponencialmente a infestação. A urbanização desordenada, com lotes baldios cheios de entulho, redes de esgoto mal vedadas e acúmulo de lixo, fornece o habitat perfeito para sua proliferação.
A atuação municipal no controle do problema
Questionada sobre as ações para conter o avanço, a prefeitura de Sorocaba informou que realiza visitas rotineiras de prevenção e controle, mas apenas a partir de solicitações da população ou de alertas da rede de saúde. Não há um planejamento de vistorias sistemáticas ou mutirões periódicos nos bairros. As equipes da Vigilância em Saúde Ambiental seguem o Manual de Controle de Escorpiões do Ministério da Saúde, orientando moradores sobre medidas preventivas e eliminando condições ambientais favoráveis, como brechas na rede de esgoto, acúmulo de materiais de construção e falta de vedação em portas e janelas. No entanto, a administração municipal não informou a existência de cronogramas específicos de ação, campanhas educativas massivas recentes ou um mapeamento atualizado detalhando quais bairros apresentam a maior incidência de casos, dados considerados cruciais para um combate eficaz.
Este modelo reativo, que age apenas após a picada ou a solicitação, é apontado por especialistas como insuficiente para enfrentar uma infestação em crescimento. Enquanto a cidade não avança com um plano estratégico que inclua mutirões de limpeza em áreas de risco, inspeções programadas e campanhas permanentes de educação, a tendência é que os números continuem subindo. A chegada do verão, com suas tempestades e calor intenso, é um agravante já reconhecido pelo governo do Estado, que emitiu alerta para que todos os municípios reforcem as ações neste período. A falta de proatividade pode colocar mais sorocabanos em risco, especialmente crianças e idosos, grupos mais vulneráveis ao veneno do escorpião-amarelo.
O protocolo de atendimento em caso de acidente
Em caso de picada, a orientação da Secretaria Municipal da Saúde é clara e urgente: buscar atendimento médico imediato. Para crianças menores de 10 anos, o destino deve ser direto para o Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS), que possui o soro antiescorpiônico e estrutura para casos graves. Adultos podem se dirigir primeiramente à Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima, a um Pronto-Atendimento (PA) ou a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). O médico avaliará a gravidade do caso e fará o encaminhamento ao CHS se for necessário a aplicação do soro, cujo uso não tem contraindicação quando prescrito. A prefeitura faz um alerta crucial: são absolutamente contraindicados os chamados “remédios caseiros”. Fazer torniquete, aplicar gelo, álcool, pomadas ou realizar cortes no local da picada são práticas perigosas que podem piorar o quadro e levar a complicações sérias.

Para situações em que o animal é visto dentro de casa e precisa ser eliminado, a recomendação é usar ação mecânica, mantendo uma distância segura. A captura ou eliminação deve ser feita com um objeto longo, como uma vassoura, uma pazinha ou um cabide, nunca com as mãos. A população pode solicitar orientação ou apoio para captura segura através do telefone da Zoonoses, no 156, ou se dirigir a qualquer unidade da Casa do Cidadão. Estas medidas visam garantir a segurança de quem tenta controlar o animal e evitar novas picadas durante o manejo.
Medidas de prevenção que todos devem adotar
A prevenção, no entanto, é a arma mais eficaz. Os escorpiões entram nas residências principalmente através do sistema de esgoto, por ralos desprotegidos, frestas em portas e janelas sem tela. Eles se abrigam em ambientes escuros, úmidos e com acúmulo de materiais. Portanto, a principal batalha é tornar as casas e os arredores inóspitos para eles. A primeira e mais importante medida é o controle de baratas, seu principal alimento. Fazer a desinsetização preventiva regular é fundamental. Manter quintais e jardins sempre limpos, organizados e sem acúmulo de entulho, folhas secas, madeiras ou tijolos é outra etapa crítica. A vedação do ambiente é essencial: instalar telas finas em ralos de pia, tanque, chão e ralos de área externa; vedar as soleiras das portas com borracha ou rodinho; e colocar telas em janelas e basculantes.
Além disso, alguns hábitos devem se tornar rotina para evitar surpresas desagradáveis. É imprescindível sacudir bem roupas, toalhas e calçados antes de usá-los. Verificar cuidadosamente camas, berços (especialmente os de crianças) e sofás antes de deitar ou sentar. Manter os cômodos arejados e iluminados, já que escorpiões fogem da luz. Evitar que plantas trepadeiras encostem nas paredes externas da casa, pois podem servir como ponte de acesso. A responsabilidade é compartilhada entre o poder público, que precisa intensificar ações estruturais e educativas, e a população, que deve adotar e manter essas práticas preventivas dentro de suas possibilidades.
O aumento de 23% nos acidentes com escorpiões em Sorocaba é um sinal de alerta que não pode ser ignorado. Enquanto a cidade cresce, a falta de planejamento urbano e a degradação ambiental criam nichos para que animais peçonhentos prosperem. A ausência de mortes em 2025 é um ponto positivo que demonstra a eficácia do protocolo de atendimento de saúde, mas não pode mascarar a necessidade de uma ofensiva mais robusta na prevenção. O combate aos escorpiões exige uma guerra permanente, feita de limpeza, vedação, educação e, acima de tudo, ação coordenada e planejada entre o município e os cidadãos. O verão está apenas começando, e os próximos meses serão decisivos para testar se Sorocaba está realmente preparada para enfrentar este inimigo pequeno em tamanho, mas gigante em potencial de causar danos.
Matéria: Aurélio Fidêncio
Informações: Matéria elaborada com base em dados fornecidos pela Prefeitura de Sorocaba, orientações do Instituto Butantan e da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e Ministério da Saúde.
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